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Nutrição com sistema de engorda “flex”

Empresa desenvolve módulos de pastejo rotacionado para uso durante veranicos e confinamento

Fernando Yassu

Mudar o manejo nutricional do gado num piscar de olhos, conforme a demanda da fazenda, é o sonho de qualquer pecuarista, especialmente quando se começa a trilhar a rota “nervosa” da intensificação. Na Fazenda Ana Paula, a 40 km ao norte de Goiânia, GO, esse sonho já se tornou realidade. A GT Agronegócios, empresa que administra a propriedade, investiu aproximadamente R$ 1 milhão em instalações simples, porém flexíveis, que atendem a exigências sócioambientais e possibilitam passar do sistema de engorda a pasto ao confinamento em questão de horas.Fechando ou abrindo porteiras, adubando ou não os pastos, retirando ou alterando o concentrado, o modelo que a empresa batizou de Sistema Ana Paula ajusta o manejo nutricional às suas necessidades de momento e consegue fazer tanto recria quanto engorda, separada ou simultaneamente. “Do ponto de vista do manejo nutricional, tenho, hoje, várias fazendas em uma mesma propriedade”, diz o zootecnista Gustavo de Lima e Reis, sócio de Thiago Marques de Ávila na GT Agronegócios, que também administra um confinamento tradicional na Fazenda Mirante, em Nerópolis, a 10 km da Fazenda Ana Paula.Quais as vantagens de se ter instalações “flex” de engorda? “Elas simplificam a logística de suplementação, permitindo driblar os efeitos nocivos de eventos climáticos extemporâneos como os veranicos, ou sazonais, como a entressafra, que não temos como controlar e que diminuem a produção forrageira, a carga animal e o desempenho do gado, principais gargalos do modelo intensivo de produção”, explica Gustavo Reis. Segundo o zootecnista, em fazendas que não têm instalações dimensionadas para suplementar o gado em situação de emergência e querem intensificar, existem apenas duas opções em caso de veranico ou entressafra: ver os animais passarem fome e os pastos entrarem em colapso; ou retirar do sistema parte do gado para aliviar a carga animal do pasto e evitar que os bovinos remanescentes emagreçam.

Logística nutricional

Para escapar dessa “armadilha”, a GT dividiu os 427,1 ha de pastagem da Fazenda Ana Paula em nove módulos de pastejo rotacionado, usando um layout (desenho) totalmente inovador. Os módulos possuem 47 ha fracionados em oito piquetes de 5,93 ha cada, mas, ao invés de terem a área de lazer no centro, como normalmente se faz, ela é posicionada nas laterais, voltada para vias centrais de manejo, conforme mostra a ilustração acima.

Como elas ficam nas extremidades, para evitar a construção de muitos corredores e diminuir a distância percorrida pelos animais, a GT montou duas unidades na maioria dos módulos de rotacionado. “Com duas praças de alimentação, evitamos que os animais andem distâncias superiores a 400 m para comer e beber água”, salienta o zootecnista.

O modelo foi desenvolvido após uma experiência bem sucedida com recria intensiva, em uma área menor (40 ha), onde a empresa conseguiu produzir até 92@/ha/ano (veja quadro). Além de agilizar a distribuição de alimento, ele possibilita “sequestrar” os animais nas praças de alimentação, em caso de veranico ou falta de pasto, e transformá-las em piquetes de confinamento, pois o espaço é relativamente grande (1 a 2,5 ha) e foi planejado para isso.

Cada área de lazer tem quatro bebedouros e 200 m lineares de cocho, já que os animais acessam apenas um de seus lados. No veranico do último mês de janeiro, a GT teve de sequestrar 4.541 bezerros (machos e fêmeas) que estavam em recria intensiva nas pastagens rotacionadas da propriedade. Para isso, bastou fechar as nove porteiras que dão acesso à área de lazer e mudar a dieta fornecida ao gado.
Segundo Gustavo Reis, não se justificaria fazer um investimento de
R$ 1 milhão em instalações apenas para driblar o veranico, mas a possibilidade de transformá-las em confinamento na seca conferiu nova perspectiva ao projeto. “A princípio, pensamos apenas em usar a Fazenda Ana Paula para recriar intensivamente os animais, garantindo reposição a custo mais baixo para o confinamento da Fazenda Mirante, mas depois decidimos unir o útil (intensificar sem riscos climáticos) ao agradável (aproveitar as instalações para confinar os animais na entresasafra, entre junho e outubro)”, conta o zootecnista, acrescentando que, na Fazenda Ana Paula, a empresa fará uso intensivo do capital investido em instalações, já que elas serão utilizadas nos 12 meses do ano.

Reis diz que, se não pudesse tratar o gado no cocho em caso de ocorrência de veranicos e na entressafra, não se sentiria seguro em trabalhar com alta lotação. Nesta safra, ele conseguiu alojar 10,63 bezerros ou 5,11 UA por hectare (2.300 kg de peso vivo), mas a meta é de se chegar a 7,5 UA (3.375 kg/ha) de média na safra. “Veio o veranico em janeiro e não me desesperei. Monitoramos a produção forrageira e quando constatamos que a rebrota do capim não era suficiente para suportar a carga animal que estava no pasto, planejamos o sequestro, confinando todo o gado, que passou a receber apenas dieta no cocho. O custo de produção maior por conta da alimentação não me preocupou. Em vez de contabilizar o gasto do sequestro como prejuízo, eu encarei como “dias de lucro”. Afinal, o meu rebanho ganhou peso (média de 840 g/cab/dia) em um período em que, na maioria das fazendas, o gado estava emagrecendo”, justifica.

Planejamento meticuloso

Antes de instalar o projeto na Fazenda Ana Paula, a GT Agronegócios planejou cada etapa. Antes de plantar o capim na área de 427 ha, investiu pesado na correção do solo com calcário, gesso, micro e macronutrientes (fósforo e potássio) e plantou milho consorciado com capim, que foi transformado em silagem para o confinamento. O investimento de R$ 2 milhões no processo de correção e conservação do solo e plantio da lavoura foi amortizado com o dinheiro da “venda” da silagem para o confinamento da Fazenda Mirante, que pagou pelo volumoso o valor de mercado. “Ganhamos de graça o pasto e o solo corrigido para iniciar o nosso projeto de intensificação”, explica o zootecnista.

O desenho das instalações também foi revisto diversas vezes. “Não queríamos cometer os mesmos erros do projeto piloto, onde a área de lazer havia se transformado em fonte de problema, devido à lama, que dificultava a entrada do caminhão distribuidor de ração. Passamos a usar um trator, que, também, atola nos dias chuvosos”, explica o zootecnista. No projeto da Ana Paula, como os cochos ficam voltados para a “via de trato”, a distribuição com caminhão foi viabilizada. Para agilizar esse trabalho, foi construído um corredor central, cascalhado, que corta a propriedade de ponta a ponta e permite que o motorista, mesmo carregando os ingredientes da ração na Fazenda Mirante, a 10 km de distância, faça a distribuição da dieta em meio dia de trabalho. Ele entra no corredor central por uma ponta da fazenda e fornece a ração para um lado das linhas de cocho de todas as praças da alimentação e volta distribuindo no outro lado.

Para agilizar ainda mais o trabalho, a GT pretende construir uma área concretada na Fazenda Ana Paula para armazenar ingredientes da ração e comprar um caminhão misturador de ração e uma pá carregadeira. Nesta safra, a empresa usou os equipamentos da Fazenda Mirante.

“Esses são nossos próximos investimentos”, informa Thiago Ávila, que quer resolver outro problema – a reposição. “Nosso problema hoje é ter gado para recriar e terminar”, diz o sócio da GT. Para resolver esse poblema, a empresa está oferecendo várias modalidades de parceria. O produtor pode pagar um valor fixo pela arroba produzida. A GT pode assumir todas as despesas de recria e engorda e entregar ao parceiro 40% do ganho de peso no período em que o animal ficar na fazenda, modalidade restrita ao período chuvoso.

 

Produção de peso

A meta da empresa é produzir, na Fazenda Ana Paula, 60@/ha durante os 185 dias do período chuvoso, que, em Goiás, vai de novembro a maio. Em 122 dias desta safra, a GT obteve 15.515@, média de 34,5@/ha. Os 4.541 bezerros entraram na área dia 19 de novembro de 2014, com 163,1 kg (média entre machos e fêmeas), e saíram dia 21 de março de 2015, com 265,6 kg. Com lotação de 10,63 cab/ha, eles ganharam 102,5 kg/cab no período, engordando, em média, 840 g/cab/dia. Além do pasto, receberam 0,3% do seu peso vivo em ração concentrada.

Como o mercado de reposição estava aquecido, a estratégia da empresa foi vender os animais no ponto em que estavam (média de 265,6 kg) e realizar o lucro, promovendo um leilão. A GT Agronegócios está atualmente no segmento de leilões de animais por meio da GTS Leilões, em parceria com a Estância Bahia, de Água Boa, MT. No leilão, a Fazenda Ana Paula conseguiu preço médio de R$ 1.484 por cabeça, média de R$ 167,70 por arroba (para machos e fêmeas). Após 21 de março, a empresa recebeu outros animais para recria e engorda, mas esse ganho não foi contabilizado.

Contando apenas as arrobas ganhas em 122 dias de recria, o sistema teve um lucro operacional de R$ 1,556 milhão ou R$ 3.642/ha, considerando-se uma receita bruta de R$ 2,469 milhões e despesas diretas de R$ 913.700 com adubo, máquinas, ração, mão de obra e arrendamento. O custo operacional por arroba produzida ficou em R$ 62,05, desmentindo a tese de que a recria intensiva, com suplementação a pasto, é antieconômica. “Nosso modelo mostra que dá para fazer uma pecuária com lucratividade superior à da agricultura na maioria das culturas”, observa o zootecnista.

 

Coringas de peso

Além das “instalações flex”, o projeto de intensificação desenvolvido pela GT Agronegócios conta com dois outros coringas, que permitem fazer ajuste periódico da carga animal no período de safra, acompanhando a própria dinâmica de ganho de peso dos animais (média acima de 800 gramas por cabeça por dia): a adubação em cobertura e a suplementação a pasto. Em média, a empresa aplica 300 kg/ha de uma fonte de nitrogênio, no período chuvoso, sempre que o gado sai do piquete, após três dias de pastejo em média. Essa dosagem, contudo, pode ser aumentada até onde a fazenda precisar ou a relação custo benefício for atrativa, em termos financeiros. Se tiver pouco gado, a GT pode reduzir a adubação em cobertura ou até suspendê-la.

Usando ou não esse recurso, a GT deixa a base de fertilidade do solo preparada para acelerar a produção de forragens. “Construímos essa base, com a aplicação de calcário, gesso, micro e macronutrientes (fósforo e potássio). Anualmente, fazemos análises do solo e reposição do que está faltando. Assim, se precisarmos aumentar a produção de forragem para abrigar uma determinada carga animal, basta aplicar o nitrogênio”, diz o zootecnista, que lembra que, no modelo intensivo, é essencial tratar o pasto como uma lavoura.

O uso do segundo coringa (suplementação a pasto) também demanda análises prévias. Antes de distribuir o produto no cocho, a empresa mensura a oferta forrageira no piquete que vai receber o lote, em cada módulo de manejo. Um funcionário mede a altura do capim em 30 pontos diferentes do piquete e depois lança um retângulo de 2 m x 50 cm em dois pontos que representem a altura média do pasto. Toda a área foliar do capim dentro do retângulo é cortada, simulando-se um pastejo normal, e também o resíduo (trabalha-se na fazenda com 25 cm de altura). Depois, o material é desidratado para extração da matéria seca e pesado.

O valor obtido é, então, lançado em uma planilha que estima a quantidade de matéria seca disponível no piquete para consumo, considerando-se uma eficiência de pastejo de 80%. Com esse dado em mãos, basta confrontá-lo com a demanda alimentar das UA’s alojadas no módulo, que se chega à oferta disponível de forragem por animal. Em função dela, faz-se o ajuste do suplemento para mais ou para menos, conforme o ganho de peso projetado.

 

Ferramenta versátil

Normalmente, a dieta do cocho varia de 0,3% a 1% do peso vivo, mas a média na safra, se nada de anormal ocorrer com o clima, fica em 0,6% na safra. Em caso veranico, aumenta-se gradativamente o nível de suplementação, provocando um efeito substitutivo parcial do capim pela dieta concentrada. “Se necessário, fazemos o sequestro dos animais, tratando-os exclusivamente no cocho”, explica Gustavo Reis, lembrando que o objetivo desse modelo é manter a lotação, o ganho de peso e a rentabilidade nos patamares planejados.

A GT Agronegócios usa, nos módulos de rotacionado, o mesmo núcleo fornecido no confinamento. Há uma justificativa para isso: “O manejo alimentar da Fazenda Ana Paula é diferente dos sistemas convencionais de suplementação a pasto. Como trabalha com lotação fixa e nível variável de alimento no cocho, em alguns momentos os animais chegam a receber uma dieta semelhante à do confinamento”, diz o médico veterinário Hugo Cunha, gerente nacional da linha para confinamento da DSM/Tortuga, que fornece o núcleo para a Fazenda Ana Paula e para o confinamento da Fazenda Mirante. “O manejo nutricional adotado pela Fazenda Ana Paula facilita a adaptação do animal do pasto para o cocho e do cocho para o pasto. No primeiro caso, aumentando gradativamente o concentrado no cocho antes do confinamento total. No segundo, aumentando a fonte de fibra (bagaço) na dieta até o gado voltar novamente ao pasto”, explica o técnico.

Laboratório de engorda intensiva

O modelo “flex” da GT Agronegócios foi desenvolvido aos poucos, meio por acaso, quando Gustavo Reis e Thiago Ávila resolveram aproveitar melhor uma área de 40,31 ha que fazia parte do arrendamento do confinamento da Fazenda Mirante e que até 2010 era usada para a produção de silagem de milho. Com a troca desse volumoso pelo bagaço da cana na dieta do gado, os dois sócios resolveram formar a área com mombaça e usá-la para a recepção dos animais destinados à engorda intensiva, que, após longas viagens, chegavam debilitados à fazenda e tinham de ser recuperados.

Sem divisões, a área inicialmente foi pastejada de forma contínua e sem controle de lotação. Mas, logo surgiram dois problemas decorrentes do mau manejo do capim – o superpastejo perto dos bebedouros e cochos, causando degradação, e o subpastejo nos pontos mais distantes, o que exigia corte das sobras com roçadeira mecânica, gerando custos. Após visitar várias fazendas que fazem pastejo rotacionado intensivo, os empresários idealizam as bases do modelo hoje implantado na Fazenda Ana Paula. A área de 40 ha foi dividida por cercas elétricas em oito piquetes de 4,85 ha cada e optou-se por uma área de lazer central como nos modelos convencionais, porém maior (100 m x 150 m), já se prevendo espaço para malhadouro, a fim de evitar o pisoteio de capim nos piquetes. Nesse espaço, foram instalados dois bebedouros e cochos para suplementação com 120 metros lineares com acessos dos dois lados, para suplementação dos animais em doses variadas, conforme a oferta de capim no pasto.

Apesar dos problemas com barro próximo ao cocho (que motivaram as mudanças no layout das instalações montadas posteriormente na Fazenda Ana Paula), esse piloto deu bons resultados. Na primeira safra (2012/2013), produziu 60/@/ha. Na segunda (2013/2014), superou essa marca, produzindo 92@/ha, pois trabalhou com três categorias animais diferentes.

De novembro de 2013 a abril de 2014, foram colocadas na área 903 vacas (em dois lotes) com bezerro de três a seis meses ao pé, que foram desmamados precocemente, assim que conseguiram consumir ração no cocho. As vacas receberam capim e ração concentrada, ganhando, em 56 dias, 69 kg por cabeça (entraram com 311 e saíram com 380 kg), média de 1,2 kg/dia. Os bezerros (773 cab), em 46 dias passaram de 93 a 129 kg, ganhando 36 kg/período, média de 789 g/cab/dia. Após a venda dos bezerros, a empresa ainda usou a área para recriar 408 bois magros. Em 44 dias, esse lote, que tinha peso inicial de 368 kg, engordou 50 kg/cab, média de 1,1 kg por cabeça/dia.

Com essa estratégia múltipla, em apenas 185 dias da safra 2013/2014, com uma carga animal de 9,57 UA/ha (4.306 kg), a GT produziu 3.695@ em 40,31 ha (2.077@ de vacas, 938 de bezerros e 680 de bois magros), média de 92@/ha, fornecendo, além do pasto, 3,7 kg de ração concentrada por unidade animal (450 kg), o equivalente a 0,82% do peso vivo. “O resultado surpreendeu, superando a nossa meta inicial de 60 arrobas”, comemora Gustavo Reis.

*Matéria originalmente publicada na Revista DBO de junho de 2015 (páginas 54 a 60).