Por Pieter Sijbrandij, Gerente internacional do programa Soluções Digitais da Fundação Solidaridad
Desde que o tema da sustentabilidade chegou na produção agrícola, o que se viu foi um processo acelerado e profundo, com muitos acertos, alguns percalços e muita coisa sempre por fazer.
Foi com essa sensação que me deparei quando, em 2008, fui convidado para participar de uma reunião do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável, o GTPS. O Grupo, que tinha começado a se articular cerca de um ano antes, surgiu para dar uma resposta e buscar soluções diante da pressão que estudos e campanhas da sociedade civil, que apontavam a pecuária como a maior causa do desmatamento na Amazônia.
A reação do público foi imediata a esses estudos e reportagens e caiu diretamente na ponta onde o consumidor tem acesso direto: os supermercados e, num segundo estágio, os próprios frigoríficos. O setor de supermercados foi considerado conivente por não rastrear a originação da carne. Então, a Associação Brasileira dos Supermercados (ABRAS) e alguns dos principais frigoríficos começaram a conversar. Havia também representantes do mercado financeiro. A reunião da qual participei foi a primeira na qual, além dos supermercados e frigoríficos, também estavam presentes alguns produtores. Era, de fato, o começo de muito trabalho que todos teríamos pela frente.
Vale lembrar ainda que, naquele momento, a atuação da maior parte das ONGs era vista como fiscalizadora e de denúncia na questão ambiental, não como parceiras do setor produtivo. Algumas ONGs têm o importante papel de alertar a sociedade para diversas causas, outras atuam na mobilização da sociedade e atores de diferentes setores na busca de soluções. Esse é o caso da Solidaridad. E foi assim que nos colocamos nesse processo: como uma organização internacional, com experiência no apoio ao desenvolvimento de modelos de produção agropecuária sustentável, em diversos países e com uma característica de articulação entre os setores produtivos e o mercado consumidor.
Sinergia entre as partes
A aliança entre partes diferentes é sempre um processo em construção. Quando pensamos em unir conhecimentos, esforços e sinergias, significa também em criar espaços de diálogo e abertura. Depende da confiança entre as pessoas que estão ali representando essas instituições e públicos diversos, enquanto se conhecem, trocam dados, constroem esses canais. E essa é uma característica bem importante do GTPS. O próprio nome, grupo de trabalho, dá essa dimensão.
Como representante da Solidaridad, pude compartilhar nossa experiência no desenvolvimento de certificações de sustentabilidade, como a RTRS (sigla em inglês para “Mesa Redonda para a Soja Responsável), e a RSPO (sigla em inglês para Mesa Sustentável de Óleo de Palma). Olhando agora, vejo como foi incrivelmente interessante e dinâmico todo esse processo. Vinha da sociedade civil e estava ali, junto a diferentes stakeholders, determinados a sair do conflito, a partir para a busca legítima de soluções.
Nesse sentido, acredito que a maior conquista do GTPS foi, em primeiro lugar, como já mencionei, a habilidade de construir canais efetivos de diálogo e compromisso em buscar, cada um dentro de sua área de atuação e influência, colaborar para avançar. A segunda foi a decisão por entender essa demanda e as possíveis soluções dentro da realidade brasileira. Ou seja, fazer um trabalho árduo de traduzir as boas práticas agropecuárias em indicadores que tenham significado para o contexto local. Surgiu assim o desenvolvimento dos indicadores do GTPS para pecuária sustentável, um trabalho que se destaca pela aderência ao perfil da pecuária no Brasil, o que talvez não fosse possível com padrões internacionais, que acabam por serem um tanto utópicos para a maior parte dos produtores brasileiros.
Outra importante conquista se deve ao esforço de comunicação e de mobilização internacional que o GTPS tem feito com sucesso.
Ganhos
Os membros que formavam do GTPS consolidaram esse compromisso conjunto. Houve também uma mobilidade interessante, com profissionais migrando para outros elos dessa cadeia, como por exemplo, sair do varejo e ingressar numa ONG. E isso foi muito rico. Permitiu ampliar as percepções e gerar um olhar mais abrangente, de outros pontos de vista.
Para a Solidaridad, foi e continua sendo uma troca bastante interessante. Posso dizer que, de alguma forma, ser parte desse grupo de trabalho, nos ajudou a ampliar nossa própria visão. Ter acesso ao alto nível brasileiro de engajamento para abordar os desafios socioambientais ajudou a formatar iniciativas da Solidaridad em outros países. Por sermos membros da GRSB (sigla em inglês para Mesa Redonda Global para a Carne Bovina Sustentável), o irmão caçula do GTPS que atua em nível global, conseguimos ajudar na ponte entre as duas entidades.
Em retribuição, conseguimos incluir o GTPS no Farmer Support Program (FSP), desenvolvido em parceria com o governo holandês, aumentando a capacidade do Grupo de ampliar e disseminar as melhores iniciativas nacionais.
Da mesma forma que o setor pecuário brasileiro em geral, o GTPS também inspirou outras iniciativas em países como Colômbia, Argentina, Austrália, México e Uruguai.
GTPS: próximos 10 anos
Com sua primeira década completada, podemos afirmar que o GTPS é o fórum, é a entidade porta-voz quando se trata do tema de sustentabilidade no setor pecuário brasileiro.
Difícil prever o tamanho dos próximos desafios, mas um deles, acredito, é envolver também a atividade leiteira, e não apenas a pecuária de corte. Tem toda a questão da rastreabilidade, que continua e por algum tempo ainda será um grande desafio. O debate sobre as responsabilidades de cada elo da cadeia nesse processo ou como deve ser e por quem deve ser feita a fiscalização, entre outros, ainda se mantém. Há também, ao meu ver, a necessidade de reconsiderar o uso da farinha animal como proteína dentro do próprio ciclo produtivo pecuário, como um vetor para combater o desmatamento.
Outro ponto é o papel de articulador do GTPS. Estou certo de que, cada vez mais, pela relevância do setor pecuário brasileiro e do debate em torno de sua produção mais sustentável, o GTPS ampliará seu papel internacionalmente. Inserindo questões críticas como mudanças climáticas e recuperação de áreas degradadas, por exemplo, o GTPS se fortalecerá como interlocutor no debate global sobre esses e outros temas da agenda da sustentabilidade.
A Solidaridad continuará membro ativo da GTPS. Continuaremos apoiando a construção desse conhecimento coletivo contínuo em prol da pecuária sustentável no Brasil e trabalharemos para que este conhecimento seja melhor aproveitado nos países onde atuamos na América Latina e na África.