Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, sócio e coordenador de pecuária na Agroconsult
Ao completar 10 anos de criação, o GTPS (Grupo de Trabalho em Pecuária Sustentável) coleciona motivos para comemorar. A proposta do grupo foi reunir diferentes interesses ao longo da cadeia produtiva em prol de objetivos comuns. O grupo colocou ideias na mesa e depois as tirou do papel, levando ações práticas para o campo.
Ainda assim, o maior avanço com o GTPS não pode ser mensurado apenas pelas ações diretas. Empresas, produtores, instituições e organizações, participantes ou não, acabaram se sensibilizando pela temática que passou a ser discutida com sensatez, num debate conduzido de forma madura, respeitosa e baseado em conhecimento. Portanto, mesmo fora do ambiente do GTPS, assuntos que sempre foram considerados tabus começaram a ser tratados com maior naturalidade, permitindo a aproximação entre setores que dificilmente dialogavam. É o caso de representantes da produção e as ONGs (Organizações Não Governamentais) com atividades direcionadas à proteção ambiental.
Como resultado, foi possível conhecer um pouco melhor a pecuária brasileira. Não há dúvidas que o GTPS teve papel fundamental no estímulo deste debate, que culminou em uma melhoria na base de conhecimento em relação à nossa pecuária.
Hoje já se sabe que o driver para o desmatamento foi a demanda pela ocupação de terras, e não a produção de carne. A pecuária, portanto, não precisou de desmatamento; foram as áreas desmatadas que precisaram da pecuária para que se consolidassem.
O contexto de ocupação acabou por limitar a expansão tecnológica da pecuária. Até meados dos anos 1990, o avanço sobre as novas áreas fazia com que o estoque de bovinos improdutivos no rebanho aumentasse lentamente. A partir do controle da hiperinflação, com o advento do Plano Real, a produtividade da pecuária começou a aumentar, assim como ocorreu com diversas outras atividades. Ao contrário do que se pensava até bem pouco tempo atrás, também houve ganho na bovinocultura. O rendimento por área ocupada pela bovinocultura aumentou significativamente a partir de 1990.
De 1990 a 2015, o ganho da produtividade evitou o desmatamento de cerca de 200 a 230 milhões de hectares. Chega-se a este número calculando qual seria a necessidade de área para produzir a quantidade de carne ofertada nos últimos anos, caso a tecnologia de produção ainda fosse a mesma adotada em 1990.
Fonte: Agroconsult, dados do IBGE
O aumento de produtividade, no entanto, ocorreu mais pelo efeito zootécnico, com o uso de tecnologias relacionadas ao desempenho animal, do que pelo efeito agronômico ou, melhor dizendo, pela melhoria das pastagens. Em 25 anos, a produtividade por hectare aumentou 130%, enquanto a lotação bovina avançou 62% no mesmo período. A produção e o manejo das pastagens continuam sendo o principal gargalo da pecuária.
O aumento na ocupação ao longo dos anos, mesmo que seja metade do ganho total em produtividade, tem um grande impacto na ocupação da área. Entre 2007 e 2016, a área total desmatada na Amazônia Legal foi de 7,5 milhões de hectares. No mesmo período, a agricultura avançou 10,2 milhões de hectares, enquanto a área de pastagens recuou 19 milhões de hectares. A soma da área destinada à produção agropecuária recuou de 250,1 para 241,4 milhões de hectares, um saldo de 8,8 milhões de hectares que deixaram de ser explorados pela agropecuária.
A explicação está na revegetação nas áreas de pastagens que, de acordo com a ponderação de diversos dados disponíveis, acumula 32 milhões de hectares em apenas 10 anos. São pastagens que foram perdidas, após completaram todo o ciclo de degradação; totalizando prejuízos para os produtores e para a sociedade como um todo.
Fonte: Agroconsult, dados do IBGE, Prodes, Inpe, Lapig, Mapbiomas
Os dados do Terraclass, Map Biomas e de empresas como Agrosatélite comprovam a ocorrência de reinfestação em áreas de pastagens, fato que demanda ainda mais estudos, orçamentos e esforços para melhorar os diagnósticos sobre a realidade das pastagens no Brasil.
Por falar em esforço, é essencial citar o exemplo do Rally da Pecuária, expedição que também se consolidou nestes últimos 10 anos. Aplicando uma metodologia de amostragens aleatórias, entrevistas e avaliação por imagens de satélite, a Agroconsult, organizadora da expedição, vem acumulando informações e dados sobre a realidade das pastagens em diversas regiões.
Nas avaliações a campo nas últimas quatro edições (2014, 2015, 2016 e 2017), foi identificado seguinte padrão de qualidade das pastagens:
Fonte: Agroconsult, Rally da Pecuária
Em cinco critérios, as pastagens são classificadas pelas notas de 1 a 5, sendo que o stand tem peso 5, massa e invasoras possuem peso 3, enquanto os demais itens (homogeneidade, erosão e topografia) possuem peso 1. Vale ressaltar que, quando há muita erosão, o stand já foi comprometido e o pasto segue um outro sistema de avaliação posterior à degradação.
Portanto, a diferença entre o degradado e o pasto de qualidade 2 é a necessidade de reforma, um orçamento cerca de duas vezes superior ao que se pede tecnicamente para uma recuperação. Enquanto o stand de plantas no pasto degradado é insuficiente para uma recuperação, o pasto de qualidade 2 ainda pode ser restabelecido sem a necessidade de reforma.
Em análise por imagens de satélite dos pontos amostrados pelo Rally da Pecuária até 2014, observou-se que 12% das pastagens haviam passado por reformas entre os anos de 2003 e 2014, enquanto outros 13% haviam passado por recuperação. Os dados ainda mostram processo de degradação em 30% delas. Ou seja, avaliando o índice de vegetação por imagem de satélite, estes pastos estão piorando ano a ano sem intervenção. Somando as três classificações, chega-se à conclusão que 55% dos pastos visitados pelo Rally da Pecuária, entre os anos de 2011 e 2014, estavam passando pelo processo de degradação.
Os 45% classificados como “sem intervenção” não possibilitaram diagnóstico visual por satélite; nem pioraram e nem melhoraram. Não significa, contudo, que nada tenha ocorrido naquelas áreas, mas sim que não foi possível analisar por satélite.
Distribuindo as intervenções anualmente, ao longo da série temporal, é possível esperar um nível de reforma e recuperação em torno de 2% a 2,5% ao ano, insuficiente para compensar a taxa média de 3% a 4% que atinge o nível “degradado” ao ano.
Caso se considere que todos os pastos deveriam estar com a qualidade 5 (a mais alta de acordo com o critério adotado pela da Agroconsult), pode-se apontar que 78% estariam com algum nível de degradação. Esse último critério é questionável, pois parte da hipótese de que todas as pastagens estiveram no nível de qualidade mais elevado, o que não é necessariamente uma verdade.
Em resumo: dependendo do critério considerado, é possível apontar que entre 55% e 77% dos pastos estão em processo de degradação. Os 55% são identificados pelo acompanhamento dos pontos por imagem de satélite, estudo conduzido pela Agrosatélite sobre dados coletados entre 2011 e 2014.
Todo esse avanço nos últimos 10 anos tem o GTPS como um dos mais importantes fóruns de debate sobre o tema, motivo de orgulho para as empresas e organizações que acreditaram na iniciativa. No entanto, se por um lado há motivos para comemorar, o GTPS não encontrará razão alguma para esmorecer. Apesar dos avanços, ainda há muitos desafios pela frente.
Depois de anos esgotando os diversos assuntos sobre áreas, emissões de carbono, água, produtividade, bem estar animal e todas as outras dimensões relacionadas à sustentabilidade, finalmente a face do verdadeiro desafio começou a surgir diante de todos. O maior risco relacionado à sustentabilidade na pecuária não está relacionado à questão ambiental, mas sim à social.
O inevitável resultado de anos de estudos sobre a pecuária esbarra em preconceitos arraigados em torno da pecuária de corte. Os desafios, que outrora pareciam relevantes, começam agora a despontar como problemas potenciais, realidade que os mais atentos às tendências da pecuária perceberam anos antes.
Assim, o desafio da pecuária não estará em liberar áreas para atender as demandas de outras atividades, mas sim no que fazer com os que serão excluídos das áreas que irão sobrar.
A exclusão é consequência da heterogeneidade na adoção de tecnologia pelos produtores. Os pecuaristas mais ágeis intensificam mais rapidamente, ampliando a sua competitividade e acelerando a exclusão dos produtores mais lentos, que concentram a maior parcela de revegetação das áreas de pastagens, depois de degradadas.
Essa diferença altera todo o modelo de trabalho relacionado à sustentabilidade na pecuária, impondo uma mudança de conceitos que representa um choque para muitos profissionais dedicados à sustentabilidade nos últimos anos, principalmente os ambientalistas.
O principal desafio para o GTPS dos próximos anos é manter a interlocução em prol do objetivo comum, que é a sustentabilidade. A questão que ficará no ar é se os ambientalistas aceitarão rever os conceitos focando as ações na questão social ou vão tentar encontrar problemas para as soluções que apresentam.
No ano que o GTPS completa os 10 anos, há uma aparente quebra na harmonia entre o setor produtivo e as ONGs, que exemplarmente trabalham juntos nos últimos anos. E ao contrário do que sempre se apregoa na grande mídia, não é o setor produtivo que aparenta se negar a encarar o problema.
O GTPS, que completa 10 anos de atuação em 2017, está promovendo o desenvolvimento de uma série de artigos para mostrar o atual cenário da pecuária brasileira, o que mudou na atividade nos últimos dez anos e qual a influência do GTPS nestas mudanças.