Entenda por que os bois brasileiros estão sendo tingidos de preto

Por Marcos Tosi, da Gazeta do Povo

A tradicional imagem do rebanho bovino do Brasil Central, uma manada branca de nelores solta no pasto, celebrada em novelas como “O Rei do Gado” e “Pantanal”, está recebendo generosas pinceladas de “tinta” preta e um pouco da cor vermelha.

Essa pintura rubro-negra não tem nada a ver com paixões clubísticas, mas corresponde às duas cores de pelagem encontradas no gado da raça Angus (Red Angus e Aberdeen Angus), cujo DNA vem sendo injetado em grandes doses no rebanho zebuíno brasileiro, que há décadas reina inconteste nas regiões tropicais do país.

Sozinho, o Angus respondeu em 2016 por metade das 8,4 milhões de doses de sêmen vendidas no país para a bovinocultura de corte. A cor predominante é a preta, do Aberdeen Angus (90%), e quem mais tem comprado são justamente os criadores do Centro-Oeste, maior região produtora de carne.

O cruzamento industrial resultado da mistura Nelore e Angus busca obter um filho que carregue o melhor do pai e da mãe. Do nelore (mãe), mantém-se a rusticidade, a resistência aos parasitas e a capacidade de sobreviver bem no pasto grosso do Brasil Central. “Do Angus, o pai, vem a fertilidade, a precocidade na deposição de gordura, a redução do ciclo de produção e a qualidade da carne traduzida pelo maior marmoreio”, ressalta Fábio Schuler Medeiros, gerente do Programa de Carne Angus Certificada. “É o casamento perfeito”, completa Medeiros, “por que o que uma tem a desejar, a outra tem muito forte”. “E a gente consegue o produto ideal, que é este cruzamento industrial”.

Para ser considerado carne Angus, o boi tem de ter pelo menos 50% do sangue da raça. “O Angus está pretejando a terneirada do Centro-Oeste”, brinca Gabriel Beltrão, veterinário do programa de certificação mantido pela associação nacional dos criadores.

Beltrão explica que, para vender a carne com selo Angus, o abate precisa ser acompanhado por um técnico da associação dos criadores, que verifica, in loco, o fenótipo do animal (se parece mesmo com um Angus), se é jovem (idade de no máximo de 28 meses verificável pelo número de dentes de leite) e o acabamento de gordura (a “capa” deve ter entre entre 3 e 6 milímetros). Cumpridos os requisitos, o criador ganha um bônus de 10% sobre o preço da arroba.

É impossível, no entanto, calcular o rebanho Angus no Brasil. Com certificação, sabe-se que são abatidas, todos os anos, 500 mil cabeças. Mas muitos criadores compram o sêmen e fazem o cruzamento simplesmente para melhorar atributos do gado zebuíno. Além de deixar a carne mais macia, os cruzamentos agregam a alta precocidade do Angus. Criadores da Cooperaliança, em Guarapuava, fazem o abate quando o animal alcança 16 meses, enquanto a média do rebanho bovino paranaense é de 36 meses.

Um grande impulso de marketing foi o contrato com a rede McDonalds, que durou sete anos e apresentou o Angus aos consumidores de fast-food. É na certificação da carne de qualidade, no entanto, que estaria o segredo da fama da raça. “Damos garantia ao consumidor de que ele está comprando algo a mais. A gente garante a qualidade por meio deste selo e não vendemos gato por lebre”, enfatiza Fernando Medeiros. A Associação de Angus procura integrar toda a cadeia, trabalhando inclusive no varejo para que os restaurantes levem a informação de procedência e rígidos controles ao consumidor.

A melhor propaganda, dizem os criadores, é a feita boca a boca. No boulevard da feira agropecuária Expointer, que acontece nesta semana em Esteio, no Rio Grande do Sul, as associações de raças bovinas mantêm os restaurantes promocionais um ao lado do outro. Encontramos um criador de outra raça europeia almoçando uma picanha Angus, no espaço da concorrência. Com a condição de não ser identificado, ele confessou que “o Angus tem maciez, suculência e sabor superiores”. “Eu crio outra raça que dá uma conversão de peso até melhor, mas, na hora de escolher o bife, venho aqui”, admitiu.

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