Por Sergio Raposo de Medeiros, Pesquisador da Embrapa Gado de Corte
Como em qualquer outro negócio, para a produção de carne bovina ser rentável existem duas principais alternativas: receber mais pela arroba vendida ou produzir uma arroba mais barata. As duas alternativas não são excludentes e podem (e, de fato, devem) ser objetivadas em conjunto.
O valor de venda da arroba, malgrado a concentração de poucos compradores, ainda é sensível a lei da oferta e demanda. Historicamente, aumentos de preço são mais fruto da falta de oferta do que do aumento de procura. É o que ocorre em toda entressafra, quando diminui a disponibilidade de animais terminados em pasto.
Com relação à demanda de carne, ela é bem sensível a renda da população. A atual crise, que nos fez voltar a um PIB equivalente ao de 2009, deixou isso muito claro: o consumo per capita de carne, que chegou a quase 40 kg em 2006, despencou para menos de 30 kg em 2016. Apesar de, evidentemente, haver efeito da demanda externa, como exportamos apenas cerca de 20% da nossa produção, o consumo interno acaba sendo mais determinante. A recuperação de renda da população, já timidamente em curso, deve aumentar a demanda nos tempos vindouros.
O que esse grande efeito da renda no consumo de carne mostra é que se trata de um produto com muito apelo. O grande erro, todavia, é achar que isso basta. Gosto de ilustrar isso com um exemplo prosaico, mas baseado em experiência própria. Estou em um restaurante por quilo e tenho a minha frente várias opções de carne. Meu desejo é pegar o bife, mas minha razão faz com que eu acabe escolhendo aquele pálido peito de frango, simplesmente porque este último tem uma previsibilidade de qualidade maior, havendo menos chance de arrependimento. Não é só essa cena se repetindo milhares de vezes que preocupa, mas a decisão de compra da família brasileira seguir, provavelmente, o mesmo padrão.
É fundamental, então, que todos os envolvidos na pecuária compreendam que a consistência sensorial do produto tem efeito na sua demanda. Pode ser que nem sempre se ganhe a mais por produzir carne macia e saborosa, mas a cadeia sempre perde quando a qualidade deixa a desejar. Atributos sensoriais, contudo, são apenas parte da qualidade do produto atualmente exigida pelo consumidor. Além da satisfação sensorial, o consumidor quer que a carne seja segura para sua saúde, que seja produzida em máxima harmonia com o ambiente e que tenha sido produzida respeitando o bem-estar dos animais.
Essa percepção de que a responsabilidade de produção extrapola em muito os limites da fazenda começou a ser mais internalizada pela cadeia produtiva no final do século passado. Um dos primeiros registros de iniciativa para a produção de carne bovina atendendo esses anseios ampliados do consumidor é um documento publicado por colegas da Embrapa Gado de Corte em 2002[1], que norteou a criação do nosso programa “Boas Práticas de Produção Bovinos de Corte”. Em 25 páginas, os principais pontos já estavam todos lá e, o mais importante, a ideia central da otimização de todos os aspectos da atividade, cujo aumento de eficiência seria a chave para sustentabilidade da atividade.
Passados 15 anos, além do Programa Boas Práticas da Embrapa Gado de Corte (BPA) ser uma realidade, adotada por fazendas em todo o Brasil, ele é um dos itens do novo programa de incentivo à produção do Novilho Precoce do Mato Grosso do Sul. Muitas outras iniciativas similares ou complementares ao BPA surgiram desde então, incluindo o GTPS que agora comemora seus dez anos com atividade crescente e grandes possibilidades de fazer ainda mais diferença, especialmente por incluir todos os elos da cadeia da carne.
A grande pergunta do pecuarista para todas essas iniciativas é “o que eu ganho com isso? ”. Esse é mesmo o grande desafio. Como arregimentar adeptos para programas em que são necessários investimentos, mas que não garantem retorno imediato? Como fazer isso num cenário de redução de margens do pecuarista nas últimas décadas?
Aqui, resgatamos o tópico do início do texto, pois as propostas existentes no BPA efetivamente podem ajudar a reduzir o custo por arroba produzida e, portanto, aumentar a rentabilidade. Isso pode ser obtido, por exemplo, pela gestão aprimorada da propriedade que permitiu descobrir seus desperdícios e gargalos, pela redução de depesas com processos trabalhistas ao serem atendidas as normas legais ou por ter uma nascente com melhor vazão depois de protegida e que garantiu o abastecimento de água nos bebedouros aos animais.
Todavia, o maior efeito na redução do custo por arroba produzida é a intensificação da produção. Há várias opções de intensificação disponíveis ao produtor. Se bem escolhidas e executadas, elas aumentam a produção com relação benefício: custo positivo. Há mais arrobas produzidas para pagar os custos, o que dilui os custos fixos. Há, também, aumento de rentabilidade pelo aumento de produção no tempo (mais arrobas por ano). Esse efeito da intensificação melhorando o resultado econômico tem sido documentado há muito tempo por instituições de pesquisa e consultorias.
Há, portanto, possibilidade de efetivamente reduzir o custo por arroba para a maioria dos pecuaristas. Para cada perfil de produtor, há algo na prateleira das tecnologias para ajudá-lo. Pode ser desde apenas melhorar o manejo dos pastos, sem qualquer necessidade desembolso e boas possibilidades de melhora, até irrigação de pastagens para aquele produtor que se encontra em umpatamar mais elevado de adoção de tecnologia.
A mais feliz das coincidências é que nada é melhor para reduzir o impacto ambiental da atividade do que a intensificação.
Na Figura 1, pode observar o grande efeito de simplesmente se intensificar a suplementação dos animais. Além da redução da idade de abate de 840 para 510 dias, a pegada de carbono (kg de CO2-Eq/kg de carne) reduziu-se quase à metade.
A adoção da intensificação via suplementação pode ajudar, também, a obter carcaças mais bem terminadas que permitem a produção de carne de qualidade sensorial superior e que, eventualmente, pode receber premiações em sua remuneração, a segunda alternativa de melhorar a margem. Ao contrário, todavia, da intensificação e rentabilidade, aqui temos uma situação antagônica: quanto mais bem terminadas as carcaças, mas cara e ineficiente é a sua produção.
O corolário desta situação é que devemos buscar a carcaça com a mínima terminação que permita a produção de carne de qualidade para o consumidor. Com menos terminação que esse mínimo, a carne deve ter menos saída e a demanda cai. Com terminação além disso, estamos gastando mais do que o necessário (e pressionando mais o ambiente).
Os principais frigoríficos têm seus programas de bonificação. As exigências estabelecidas por eles são a referência que temos no momento e, obviamente, agregam a “expertise” deles na produção de carne. Apesar disso, creio não exagerar ao dizer que ainda não sabemos exatamente a carne pela qual o brasileiro estaria disposto a pagar mais no seu dia-a-dia.
Para o consumidor comum, deve ser possível desenvolver mercadologicamente uma carne mais magra (o mínimo para boa aceitabilidade) do que as carnes “premium” do mercado. Há vários apelos nesta estratégia. O primeiro apelo da carne mais magra é que ela estaria mais alinhada com as recomendações da área da saúde. Ainda que muitos parâmetros sobre o perfil de gordura recomendado atualmente devam ser revistos, a forte tendência à obsesidade na população nos últimos anos já faz a opção de menos calorias por grama ser interessante. É palpável para o consumidor a vantagem de poder comer dois bifes que equivalem em energia de apenas um mais gordo.
Do ponto de vista ambiental, outra vantagem é que carne magra é o que produzimos no sistema de produção predominante, baseado em pastagens e com animais zebuínos. De cada 100 kg de carne produzida no Brasil, 98 kg são produzidos em pastagem. Esse sistema é menos dependente de entradas externas e, consequentemente, mais favorável ao ambiente. Isso fica evidente com a comparação entre 1 tonelada de carne produzida no Reino Unido e no Brasil: eles usam 5 vezes mais energia, causam 1,5 vezes maior eutrofização, 6 vezes mais acidificação e usam 2,5 vezes mais pesticidas. Colocando de outra forma, não existe produção de alimento sem selo de produção orgânica mais perto daqueles que tenham esse selo do que a carne bovina brasileira.
Por fim, a produção em pastagem mantém os animais em seu comportamente natural, o que é um fator de bem-estar animal. Nas últimas pequisas de opinião, a forma como o animal é tratado seria o principal item que faria o consumidor deixar de consumir um produto.
A carne mais magra, desde que suficientemente saborosa e macia, é mais alinhada com à saúde do consumidor,com a conservação do meio ambiente e com o bem-estar animal, fechando um pacote bem atraente. Assim, apesar de hábitos alimentares não serem facilmente alterados, pelo acúmulo de vantagens em se produzir carne mais magra, creio que haja uma chance de sucesso.
A chance aumenta à medida que a carne é produzida seguindo normas específicas abrangentes e com chancela de instituições devidamente reconhecidas. Um aspecto interessante é que conheço pecuaristas que, muito antes de existir uma “lista de verificação” de um desses programas, já cumpria por conta própria a maioria dos ítens. Em comum, são produtores com resultados superiores e uma satisfação pessoal acima da média. Isso é facilitado por resultados econômicos positivos, mas tem um componente difícl de disfarçar: orgulho de estar entre os melhores e fazer a diferença!
Se conseguirmos juntar disciplina para atender o tripé da sustentabilidade (economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente correta), esse espírito de orgulho por fazer bem feito e desenvolvermos o pacote da carne brasileira de qualidade baseado em nossas vocações será difícil imaginar que não vale a pena participar dessa festa…
O GTPS, que completa 10 anos de atuação em 2017, está promovendo o desenvolvimento de uma série de artigos para mostrar o atual cenário da pecuária brasileira, o que mudou na atividade nos últimos dez anos e qual a influência do GTPS nestas mudanças. Acompanhe!