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Escolha de sexo envolve disputas milionárias na pecuária de leite

Marcos Tosi, da Gazeta do Povo, com informações do The Washington Post

Na pecuária de leite, o sexo dos animais movimenta uma indústria milionária e isso ajuda a explicar por que as empresas de genética se digladiam na Justiça por novas tecnologias que assegurem apenas o nascimento de fêmeas.

A disputa judicial entre as empresas americanas Inguran, do Texas, e Genus, de Wisconsin, gira em torno de patentes de processos para sexagem do sêmen bovino. As técnicas tornam possível escolher de antemão o sexo dos bezerros, com 90% de acerto. E a melhor notícia que um pecuarista de leite pode ter é que a vaca emprenhada dará luz a uma fêmea, porque os bezerros machos, em regra, quase não têm valor comercial.

A Inguran acusa a Genus de infringir patentes e roubar segredos comerciais, enquanto a Genus contra-ataca dizendo que a Inguran é que prendia o mercado a um monopólio, com tecnologia antiga. Outra empresa, a Trans Ova Genetics, afirma que muitas das patentes da Inguran são apenas combinação de ideias conhecidas. A Inguran defende-se dizendo que desenvolveu maneiras de preservar as células, de melhorar o processo seletivo e de produção dos embriões sexados.

Seja qual for o desfecho das disputas judiciais nos Estados Unidos, elas devem ter efeitos no Brasil, onde as empresas também brigam no mercado da genética bovina – a Inguran com a marca Sexing Technologies e a Genus como ABS Global.

“A técnica da sexagem é fantástica. É como se você colocasse os espermas em uma fila indiana: um sensor identifica o peso diferente dos cromossomos do macho e da fêmea, dando caminhos diferentes para cada um deles. Isso tudo feito em microssegundos”, explica Sérgio Saud, presidente da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (ASBIA).

A ASBIA calcula que em torno de 20% das 3,7 milhões de doses de sêmen de gado de leite vendidas no Brasil, em 2016, foram sexadas. O preço final do sêmen sexado combina o custo da tecnologia com o valor genético do animal, e varia entre R$ 70 e R$ 180 a dose, enquanto a inseminação convencional custa entre R$ 20 e R$ 60. Tomando como média R$ 125 por ampola, é um mercado que movimenta, no mínimo, R$ 87 milhões por ano.

Segurança de 90%
O produtor Marcos Epp, da colônia Witmarsum, no município de Palmeira, utiliza o sêmen sexado em todas as novilhas da propriedade, que tem 930 vacas em lactação. “Com essa tecnologia, eu não preciso comprar animais de fora. Eu crio minhas próprias matrizes, com 90% de segurança de que vão nascer fêmeas”, garante.

No momento, Epp recorre à tecnologia para aumentar mais rapidamente o rebanho leiteiro. Ele é um dos poucos que podem ir na contramão do mercado que, segundo Sérgio Saud, está em viés de baixa. “Se o preço do leite está retraído, como acontece desde 2015, o consumo cai, assim como os preços. Isso desestimula o criador a aumentar o número de vacas na fazenda, diminuindo a procura pela sexagem”, aponta Saud.

Desde setembro do ano passado, a ABS Global afirma ter “quebrado o monopólio” da Inguran (Sexing Technologies) na oferta de sêmen sexado no Brasil, prometendo um produto único, resultado de “método tão inovador que não sujeita as células às altas pressões, correntes elétricas e forças de cisalhamento usadas historicamente para produzir sêmen sexado disponibilizado ao mercado”.

Que efeito essa concorrência terá para os pecuaristas? “É natural que o consumidor seja favorecido quando mais de uma empresa oferece um produto. É o que a gente espera. Mas, por outro lado, a ABS teve custos altos para desenvolver a tecnologia, então também não deve entrar no mercado praticando preços muito agressivos”, avalia Saud.

A técnica de determinação do sexo do animal pela sexagem é relativamente nova e responde por apenas 3% do mercado global, havendo, portanto, muito espaço para crescimento, contanto que os produtores estejam convencidos de que o investimento vale a pena.

“Quando olhamos para a indústria leiteira, este é um problema fundamental que ainda não foi amplamente resolvido”, diz Brent Ogilvie, diretor da Engender, empresa com sede em Auckland voltada basicamente à indústria leiteira da Nova Zelândia, o maior exportador mundial de leite. “Sexo é o traço genético mais importante. A produção tem tudo a ver com genética, mas a maioria dos pecuaristas ainda não tem controle sobre o sexo do rebanho”.