Por Débora Pereira *
No Brasil é muita festa e pouca discussão
O queijo artesanal brasileiro deslumbrou. Caiu na gandaia, causou impactou, alucinou. Podemos dizer que vivemos a era do ouro do queijo no Brasil. Como diria Chico Buarque: “Quem te viu, quem te vê… Quem jamais a esquece não pode reconhecer”. Não passa uma semana sem que o produto seja festejado, comentado, compartilhado, reinventado.
Semana passada no Rio Grande do Norte, produtores de vários estados fizeram uma mesa com a bandeira do Brasil preenchida com queijos de todas as origens, pilotados pela chef Adriana Lucena e com a presença de estrelas como a produtora Marly Leite, de Sacramento, Richard Santos de Datas, Heloisa Lupinacci de São Paulo, Paulo Henrique Matos da Canastra, entre outros.
Em São Paulo, na semana que vem, vai acontecer o 3º Prêmio Queijos do Brasil que promete ser “a maior festa do queijo artesanal brasileiro”. Na última edição, em 2016, 234 queijos (140 de leite cru e 94 pasteurizados) de 8 estados brasileiros concorreram e 182 receberam medalhas em um evento que reuniu 4 mil pessoas.
Se há dez anos era difícil comprar queijo mineiro em São Paulo e o consumidor era obrigado a garimpar produtos clandestinos em mercados de periferia ou viajar para comprar, hoje o queijo é vendido em “boutiques de queijo” que garantem uma seleção diversa para uma clientela selecionada. Sem contar a facilidade de comprar pela internet e em clubes de compra, que driblam a legislação sanitária fazendo uma ponte direta com o consumidor.
Ainda por cima queijo é lindo, suas texturas e cores provocam os mais profundos desejos gulosos nas imagens compartilhadas nas redes sociais… E falem mal mas falem de mim, o queijo não deixa de ser notícia, é apreensão no Rock in Rio, é constrangimento na Itália, é caminhão de queijos apreendido em Minas Gerais… Mas nem esses fatos negativos conseguem frear o sucesso nacional do queijo artesanal.
A cultura queijeira se fortalece no Brasil, mas e agora?
Como administrar esse sucesso de uma forma organizada? Quais os principais problemas e soluções dessa efervescência queijeira? De um lado, vemos que as bandeiras de luta pela legalização do queijo brasileiro se multiplicam. Antes a reivindicação maior do consumidor de outros estados era comer queijo de leite cru fresco, o preferido dos mineiros, que chega pingando no Mercado Central de Belo Horizonte.
Hoje, pela influência do “savoir-faire” francês que desmistificou os mofos para o paladar brasileiro, queremos também ter direito de comer queijo mofado. E vem mais complexidade por aí: há produtores que querem poder usar as culturas lácteas vendidas pelas industrias internacionais de fermentos, outros reivindicam cultivar mofos genuinamente brasileiros, selvagens, que crescem espontaneamente quando os queijos são deixados em ambientes úmidos e frios. A fiscalização sanitária e agropecuária não consegue acompanhar tanta invenção de moda.
Embora o frenesi do queijo não dê sinais que vai parar, ele precisa vir acompanhado de reflexão. É preciso meditar sobre as questões sanitárias e territoriais. Como legalizar as produções de leite cru, manter o produtor rural no campo e promover o comércio justo? Como garantir em um país tão grande como o Brasil a venda sem fronteiras internas de produtos de pequenos produtores que não conseguem cumprir todas as exigências feitas para as indústrias? Temas que precisam ser discutidos urgentemente, com a presença de agentes sanitários e agropecuários do Ministério da Agricultura.
Consumidores de queijo na França estão preocupados com as vacas e suas crias
Enquanto isso, do outro lado do continente, as preocupações são diferentes. Participei no final de setembro da assembleia geral do Cnaol, a entidade que reúne todas as as associações de produtores de queijo que possuem denominação de origem controlada. O tema desse ano foi “As Expectativas dos Consumidores”. Uma enquete apresentada pela pesquisadora do Cniel (Centro Nacional Interprofissional da Economia Leiteira) Noëlle Paolo revelou que pela primeira vez o bem estar animal é a maior preocupação ligada ao ato de comer queijo, citada espontaneamente por 95% dos consumidores de até 35 anos.
Essa faixa etária declara também preferir queijos de sabor mais suave e odores não tão intenso. “-Não vamos mudar nossas receitas tradicionais porque o mercado exige” afirmou Celine Spelle, responsável do setor de Territórios do Cniel “o maior objetivo de uma denominação de origem é manter os agricultores no campo preservando a receita do queijo mas, para isso, precisamos educar mais o consumidor” frisou ela.
A segunda maior inquietude dos consumidores são os pesticidas (64%) e os insumos utilizados nas fazendas. O mercado de queijos orgânicos franceses cresceu 21% de 2015 para 2016. Outras queixas também citadas espontaneamente pela primeira vez nessa enquete (que é realizada anualmente), para surpresa dos produtores, foram o número de dias que uma vaca sai para pastar anualmente, o que elas comem, o tamanho do rebanho… Os consumidores começam a se questionar até se quem faz o queijo é o proprietário da fazenda ou o empregado.
“– E o bem estar do produtor de queijo?“, perguntou um queijeiro perplexo na plateia da assembleia geral. Outra questão para nossa lista de assuntos a discutir sobre o queijo brasileiro…
*Artigo publicado originalmente na seção Paladar do jornal O Estado de São Paulo.