por Hyberville Neto, da Scot Consultoria
Como se a produção pecuária não tivesse tido um ano suficientemente turbulento, no final de dezembro foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo o Projeto de Lei 87/2016, que institui a “Segunda Sem Carne”. Ainda falta a sanção do governador e há indícios de que ocorra um veto à medida.
Sem entrar no mérito das negociações que estão acontecendo, como trocas de votos e cargos para aprovação de projetos e orçamentos, dentre outros fenômenos políticos, comentaremos alguns pontos.
Entre os argumentos apresentados para a proibição do consumo de carnes, estão a preservação ambiental, o consumo de água pela pecuária, a saúde de quem as consome e o bem-estar animal.
Não entrarei na questão de cada tema, todos relevantes, com discussões específicas e com aprofundamento técnico.
Quanto é a carne da “Segunda Sem Carne”?
Aqui faremos considerações sobre o volume de carne sobre o qual estamos falando. Focamos nas demandas do sistema penitenciário e educacional que, segundo dados da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, compilados pelo jornal Folha de São Paulo, responderam por 96,5% dos gastos com carnes em 2017.
De acordo com o Censo Escolar 2015, eram 3,95 milhões de estudantes na rede pública estadual de São Paulo, considerando todos os níveis. Como a “Segunda Sem Carne” englobaria todas as carnes, fizemos a estimativa para uma refeição por aluno por semana e 55g de proteína animal por refeição.
Esta quantidade é a intermediária preconizada pelo Centro de Serviços de Nutrição do Governo do Estado de São Paulo para a alimentação escolar, que varia de 50g a 63g, com exceções um pouco acima para peixes.
Aqui chegamos a um volume de 9,8 mil toneladas de carnes por ano, considerando as segundas-feiras (exceto férias). Cabe uma ressalva que em cardápio obtido no site da Secretaria de Educação, referente a novembro e dezembro de 2017, as carnes já não estavam presentes nas segundas-feiras.
No caso da população carcerária, utilizamos dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen 2016) do Ministério da Justiça, no qual constam 240,1 mil presos no estado. Neste caso utilizamos 63g de carne por refeição e duas refeições por dia.
Considerando 52 segundas-feiras no ano, temos um consumo de 1,6 mil toneladas, isto para todas as carnes. Obviamente há margem para alterações destes números, assim como para a participação de cada proteína no total de carne consumida.
Como nos cardápios da rede de ensino consultados são quatro opções de carnes, mas com maior frequência para a bovina, consideramos que um terço seja desta proteína, para a continuação das estimativas.
Aqui apresentamos números da cadeia da carne bovina, a título de ilustração, mas destacamos a importância econômica, social e de segurança alimentar de todos os setores pecuários.
Mais alguns números
Somando as duas estimativas, temos 11,4 mil toneladas. Um terço atribuído à carne bovina seria algo em torno de 3,8 mil toneladas. Usando um ajuste conservador para estimar o peso de carcaça, teríamos algo em torno de 4,9 mil toneladas de carcaça.
Cabe dizer que fizemos o ajuste considerando carne in natura, mesmo sendo parte processada. Se usássemos o ajuste para carne processada o volume aumentaria, mas optamos pela estimativa conservadora, uma vez que não temos a participação de cada tipo no total.
Com bovinos de 270 quilos de carcaça (18@), seriam 18,2 mil cabeças por ano, o que equivale a 83 cabeças abatidas por dia, em uma planta cujo abate é de 220 dias/ano.
Continuando na simulação, o rebanho para atender a este terço (da carne bovina) da demanda seria de cerca de 91 mil cabeças, considerando um desfrute anual de 20%. Se usarmos a relação de um peão para 600 cabeças, teríamos 152 empregos diretos nas propriedades e algo próximo a 91 empregos na indústria (1,1 funcionário por cabeça de capacidade de abate).
Além destes 243 empregos, em uma conta rápida, podemos chegar a outros números relevantes.
Com um gasto de R$10,00 por cabeça com sanidade, temos R$911,5 mil para este item, além de algo em torno de R$6 milhões em suplementação (com consumo de 90g/cabeça/dia e custo de R$60,00 por saco de 30kg de suplemento mineralizado).
Esses são exemplos de produtos e setores influenciados pela pecuária. Toda uma cadeia gerando empregos, renda e impostos.
Outros pontos, não menos importantes
Falar da importância para a pecuária deveria ser algo desnecessário, mas como alguns dos argumentos usados abordam gasto de 15 mil litros de água por quilo de carne, ignorando todo o ciclo hidrológico, do qual participam bovinos, humanos, macacos-prego e araras azuis, nunca é demais defender o lado de quem produz.
Outro ponto que deve ser comentado é o argumento de que quem quiser comer carne na segunda apenas deve atravessar a rua e ir a um restaurante.
Sinceramente, a nutrição de presos não é um assunto que me preocupa, mas ajuda no consumo de carne, uma cadeia (de produção, a pecuária) fundamental para o país. De toda forma, se não forem presos da Lava-Jato, não é fácil almoçar do outro lado da rua.
Quanto à educação, infelizmente não são raras as crianças que têm na merenda escolar uma parcela importante da sua ingestão de nutrientes. Não é uma opção de alimento, algumas vezes é a única possibilidade de uma refeição adequada.
Como paralelo, a proposta citou outros países como Estados Unidos, Austrália, Canadá e Reino Unido, como regiões onde a ideia tem tido aceitação. Para ilustrar, observem na figura 1 o Produto Interno Bruto (PIB) per capita estimado para estes países em 2017.
Dentre os exemplos, o mais próximo do Brasil possui praticamente quatro vezes o nosso PIB per capita, o que facilita a opção por não comer as refeições fornecidas e pagar em outro local.
Limitar a carne em locais onde ela é oferecida, muitas vezes gratuitamente, é limitar o consumo por aqueles que menos têm opções. A figura 1 ilustra que é mais fácil atravessar a rua para ir a outro restaurante no país da Adele ou Al Gore.
Isso sem contar no item mais simples, que é a opção do que comer.
Considerações finais
Os conceitos abordados pela proposta são válidos, mas a abordagem arbitrária e militante não tem lógica. Não é privando uma parcela menos favorecida da população do consumo em um dia da semana que surgirá a consciência divina para a discussão sobre nutrição, meio ambiente e bem-estar animal.
Para isso existe a educação de qualidade, que deveria ser o principal item de preocupação quando se trata da rede pública de ensino.
Quanto ao argumento da economia de recursos pelo corte da carne. Em um país de Lava-Jato, mensalões e inúmeros exemplos de ineficiência, acho que não precisamos comentar que o problema não está no bife, costelinha, sassami ou filé de peixe.
Vegetarianos, veganos e afins têm seus motivos para não comer carne, que devem ser respeitados, mas não impostos.
A onda do politicamente correto prega fervorosamente o direito individual e o livre arbítrio, mas suprime a liberdade para escolher o que cada um põe no prato.